Publicado por: André Lima | 10 f, 2008

PREVENÇÃO DE EVENTOS TROMBOEMBÓLICOS EM PACIENTES INTERNADOS: QUAIS SÃO AS RECOMENDAÇÕES E O QUE TEM SIDO FEITO?

PREVENÇÃO DE EVENTOS TROMBOEMBÓLICOS EM PACIENTES INTERNADOS: QUAIS SÃO ASr RECOMENDAÇÕES E O QUE TEM SIDO FEITO?


Introdução

Apesar das dificuldades de se obter dados epidemiológicos exatos em relação à trombose venosa profunda (TVP) e à tromboembolia pulmonar (TEP), em função das limitações diagnósticas, sabe-se que são condições freqüentes, sobretudo entre pacientes internados. Por exemplo, estudo conduzido em 1991, nos EUA, encontrou incidência de TEP de 23 casos por 100.000 habitantes por ano e de TVP isolada de 48 casos por 100.000 habitantes por ano. A mortalidade da TEP também é relativamente alta, em torno de 30% quando o paciente não é tratado, reduzindo para 2% a 8% quando diagnóstico é feito e o tratamento correto, instituído. Com tudo isso, estima-se que 5% a 10% dos óbitos que ocorrem em pacientes internados se dão por TEP.

Ao mesmo tempo, existem medidas comprovadamente eficazes para prevenção de TVP e TEP, que fazem da embolia pulmonar a principal causa de morte intra-hospitalar passível de prevenção. O American College of Chest Physicians (ACCP) publica, desde 1986, a cada 3 anos, suas diretrizes para prevenção e tratamento dos eventos tromboembólicos, incluindo, em 2004, 36 recomendações com nível A de evidência científica. Alguns estudos já mostraram que a aplicação das medidas farmacológicas de prevenção reduz em 75% o risco de TEP entre pacientes cirúrgicos e em 57% entre pacientes clínicos. Infelizmente, ainda há grande discrepância entre as recomendações baseadas em evidências e a prática clínica diária.

Medidas preventivas recomendadas para eventos tromboembólicos

As recomendações mais bem embasadas sobre prevenção de eventos tromboembólicos são as da ACCP, publicadas, em sua última versão, em 2004. Elas são extensas e detalham as melhores condutas em diferentes situações clínicas e de cirurgia. A seguir, faremos um breve resumo, abordando algumas das condições mais freqüentes no dia-a-dia. Para quem trabalha com pacientes internados, clínicos ou cirúrgicos, vale a pena ter o documento em mãos, consultando-o sempre que necessário.

Em relação aos pacientes cirúrgicos, eles podem ser agrupados em 4 categorias conforme o risco de evento tromboembólico. Para cada uma delas há uma recomendação específica (tabela 1).

Tabela 1. Níveis de risco para eventos tromboembólicos em pacientes cirúrgicos e medidas preventivas preconizadas
Classe de risco Prevenção preconizada
Baixo risco
Cirurgia menor em paciente com menos de 40 anos e sem fator de risco adicional
Sem necessidade de profilaxia específica
Mobilização precoce e agressiva
Risco moderado
Cirurgia menor em paciente com fator de risco adicional
Cirurgia em paciente entre 40-60 anos sem fator de risco adicional
Heparina não-fracionada (12-12 h) ou heparina de baixo peso molecular (1x/dia) ou meias de compressão gradativa ou compressão pneumática intermitente
Alto risco
Cirurgia em paciente com mais de 60 anos
Cirurgia em paciente entre 40-60 anos com fator de risco adicional (TVP prévia, câncer, hipercoagulabilidade molecular)
Heparina não-fracionada (8-8 h) ou heparina de baixo peso molecular (1x/dia, mas com doses maiores) ou compressão pneumática intermitente
Mais alto risco
Cirurgia em paciente com múltiplos fatores de risco (mais de 40 anos, câncer, TVP prévia)
Heparina de baixo peso molecular (1x/dia, mas com doses maiores) ou warfarina (RNI=2 a 3), ou compressão pneumática intermitente (ou meia de compressão gradativa) + heparina de baixo peso molecular (ou heparina não-fracionada)

Obs. As medidas mecânicas devem ser usadas em pacientes com alto risco de sangramento ou como adjuvantes à profilaxia medicamentosa.

Já em relação aos pacientes clínicos, a profilaxia deve ser instituída na vigência de fatores de risco, com destaque para confinamento no leito, insuficiência cardíaca, doença respiratória grave, câncer, evento tromboembólico anterior, doença neurológica aguda, doença inflamatória intestinal, sepse. A primeira opção é a profilaxia medicamentosa, que pode ser feita tanto com heparina não-fracionada como de baixo peso molecular. Nos casos de contra-indicação de anticoagulação, medidas mecânicas podem ser empregadas, como meias com compressão gradativa ou compressão pneumática intermitente.

Aplicação das medidas preventivas na prática clínica

Em fevereiro de 2008, foi publicado no Lancet um importante estudo que teve como objetivo avaliar se medidas preventivas para eventos tromboembólicos, comprovadamente eficazes, estão sendo aplicadas na prática diária. Selecionaram-se de forma aleatória hospitais de 32 países, desde que tivessem mais de 50 leitos, admitissem pacientes clínicos e realizassem cirurgias eletivas de grande porte. Excluíram-se as seguintes unidades: psiquiátricas, pediátricas, oftalmológicas, otorrinolaringológicas, dermatológicas, de tratamento de dependência química, de reabilitação, de emergência e acidentes, de cuidados crônicos e paliativos e maternidades.

Em um estudo de corte transversal, todos os indivíduos com 40 anos ou mais, internados por diagnósticos clínicos, e os com 18 anos ou mais, internados para cirurgia, foram avaliados. Todos os pacientes tiveram seus riscos de evento tromboembólico caracterizados segundo as diretrizes da ACCP de 2004. A seguir, verificava-se se as medidas preventivas preconizadas pela ACCP, conforme o risco presente, estavam prescritas. Assim os autores puderam estabelecer a proporção de pacientes com risco de eventos tromboembólicos e a adesão dos médicos às medidas preventivas recomendadas.

O estudo foi conduzido em 340 hospitais, dos quais 149 eram acadêmicos, perfazendo um total de 68.203 pacientes. Fatores de risco para TVP ou TEP estavam presentes em 51,8% dos pacientes, sendo mais freqüentes entre pacientes cirúrgicos (64,4% dos casos) do que entre clínicos (41,5% dos casos). A tabela 2 descreve os principais fatores de risco já existentes antes da internação e aqueles que surgiram durante a permanência hospitalar.

Tabela 2. Fatores de risco encontrados
Pacientes clínicos Pacientes cirúrgicos Todos os pacientes
Antes da internação
N

15.253

18.544

33.797

TVP ou TEP prévio

5%

3%

4%

Obesidade

11%

10%

11%

Insuficiência venosa

7%

7%

7%

Trombofilia

0,5%

0,3%

0,4%

Reposição hormonal

0,4%

0,8%

0,6%

Doença pulmonar crônica

27%

8%

17%

Imobilidade prolongada

8%

3%

5%

Gravidez (dentro de 3 meses)

0,1%

0,3%

0,2%

Contraceptivos

0,2%

0,9%

0,6%

Insuficiência cardíaca congestiva

25%

9%

16%

Depois da internação
N

15.487

19.842

35.329

Admissão na UTI

28%

23%

25%

Cateter venoso central

11%

16%

14%

Ventilação mecânica

8%

12%

11%

Imobilização parcial (ida ao banheiro)

28%

23%

25%

Imobilização completa

33%

39%

37%

Terapia oncológica

2%

0,5%

1%

Trombocitopenia induzida por heparina

0,2%

0,1%

0,2%

Na tabela 3 comparamos a conduta encontrada no Brasil com as de outros países, tanto em pacientes clínicos quanto em cirúrgicos. Embora não tenham sido feitas comparações estatísticas entre os diferentes países, alguns pontos são bem ilustrativos. Por exemplo, entre os pacientes clínicos, aproximadamente 40-60% tinham condição de risco para TVP/TEP e em torno de 60% recebiam alguma preventiva, sendo que em uma proporção ligeiramente menor a medida era a preconizada pela ACCP. Os resultados no Brasil foram semelhantes aos encontrados nos EUA e França, melhores que os do Reino Unido e piores do que os da Alemanha. Já em relação aos pacientes cirúrgicos, os resultados brasileiros deixaram a desejar. Em primeiro lugar em todos os países, uma maior proporção de pacientes cirúrgicos, em comparação com os clínicos, encontrava-se sob risco. Entretanto, somente no Brasil o uso da profilaxia foi proporcionalmente menor do que nos pacientes clínicos (apenas metade recebeu a prevenção); nos demais países, entre 75% e 95% dos casos indicados tinham a profilaxia foi instituída.

Tabela 3. Prevenção de TVP e TEP em pacientes clínicos e cirúrgicos adotada em diferentes países
Pacientes clínicos
Total de pacientes Paciente sob risco Paciente sob risco recebendo prevenção Paciente sob risco recebendo prevenção segundo ACCP
Brasil

655

299 (46%)

181 (61%)

176 (59%)

EUA

5.196

2.720 (52%)

1.752 (64%)

1.292 (48%)

França

1.927

701 (36%)

432 (62%)

375 (53%)

Alemanha

1.160

479 (41%)

370 (77%)

337 (70%)

Reino Unido

2.751

1.123 (41%)

509 (45%)

414 (37%)

Pacientes cirúrgicos
Total de pacientes Paciente sob risco Paciente sob risco recebendo prevenção Paciente sob risco recebendo prevenção segundo ACCP
Brasil

640

421 (66%)

214 (51%)

192 (46%)

EUA

4.061

3.165 (78%)

2.543 (80%)

2.244 (71%)

França

917

718 (78%)

542 (75%)

511 (71%)

Alemanha

1.210

838 (69%)

790 (94%)

772 (92%)

Reino Unido

2091

1.350 (65%)

1.095 (81%)

1003 (74%)

Perspectivas

Os eventos tromboembólicos são passíveis de prevenção com medidas relativamente simples e, sobretudo, eficazes. Mesmo assim, a proporção de pacientes internados que recebem profilaxia adequada é baixa, o que pode contribuir para aumentos desnecessários de morbidade e óbito.

Para correção do problema é importante que se saiba suas causas. Tudo indica que a falta do domínio do conhecimento é importante, visto que em alguns países os resultados são piores, bem como para determinados diagnósticos. O conhecimento, dentro de cada região, da realidade da prescrição das medidas preventivas pelos médicos seria importante para que campanhas de educação pudessem ser implementadas. Outras medidas que podem melhorar o cenário são:

  • Reconhecimento e divulgação das diretrizes de prevenção dos eventos tromboembólicos pelas diferentes sociedades médicas.
  • Criação de comissões nos hospitais para diagnosticas a situação local e promover a educação dos profissionais.
  • Atuação junto aos órgãos responsáveis pelo custeio do tratamento, mostrando a importância das medidas preventivas e até mesmo sua relação custo-benefício.

Leitura recomendada

Ageno W, Dentali F. Prevention of in-hospital VTE: why can’t we do better? Lancet 2008;371:361-362.

Cohen AT, Tapson VF, Bergmann JF et al. Venous throomboembolism risk and prophylaxis in the acute hospital care setting (ENDORSE study): a multinational cross-sectional study. Lancet 2008;371:387-394.

Geerts WH, Pineo GF, Heit JA et al. Prevention of venous thromboembolism. The seventh ACCP on antithrombotic and thrombolytic therapy. Chest 2004;126:338s-400s.

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Respostas

  1. oi
    eu gostaria de saber se vocês tem dados recentes sobre o uso de anticoagulantes e gravidez.

    Obrigado!

  2. Eu recebi o resumo da 8 diretriz para prevenção de TEV e na contra-capa há sugestão de dois algoritmos, gostaria de ter acesso a estes modelos….como faço?

    Grata

    Andrea Assunção
    UTI-HST
    RIO Verde -GO


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